quinta-feira, 29 de setembro de 2011

CURSOS DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - novas turmas

O Instituto Latino-Americano de Direito Social (IDS América Latina) inicia, em outubro, novas turmas em vários de seus cursos.

No dia 04/10 tem início o módulo BENEFÍCIOS DO RGPS, ministrado pelo Prof. Fábio Souza. As aulas serão semanais, às terças-feiras, das 8h30 às 11h30. Já no dia 21/10, haverá o lançamento do módulo de ESTUDOS PREVIDENCIÁRIO AVANÇADOS, ministrado pelo mesmo professor.

Outra novidade é o lançamento da PÓS-GRADUAÇÃO SEMANAL EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO. O sucesso do curso oferecido aos sábados, cujas vagas estão esgotadas, fez com que o IDS passasse a oferecer a turma semanal, com a mesma preocupação de manter sua já tradicional excelência acadêmica. As aulas ocorrerão às quartas-feiras, das 8h:30 às 11h:30.

Vale destacar que o instituto também oferece cursos em outras áreas, como a PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO, cujas aulas são quinzenais, aos sábados. 

Mais informações podem ser obtidas no site (www.idsamericalatina.com.br) ou pelo e-mail  (atendimento@idsamericalatina.com.br) do IDS América Latina. Vale também disponibilizar o telefone e o endereço do instituto: 21 3619-3116 - Rua Maestro Felício Toledo, 519, 3º andar, Centro, Niterói (três quadras da estação das barcas). 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Decisão importante sobre aposentadoria especial

Pessoal, dessa vez resolvi tentar algo diferente. Abaixo está transcrita uma importante decisão do Superior Tribunal de Justiça, a respeito da aposentadoria especial. Deixo o blog "Prof. Fábio Souza" aberto aos comentários de vocês...

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. RITO DO ART. 543-C, § 1º, DO CPC E RESOLUÇÃO N. 8/2008 - STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE FÁTICA. DESCABIMENTO. COMPROVAÇÃO DE EXPOSIÇÃO PERMANENTE AOS AGENTES AGRESSIVOS. PRETENSÃO DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ.

1. Para a comprovação da divergência jurisprudencial é essencial a demonstração de identidade das situações fáticas postas nos julgados recorrido e paradigma.

2. Segundo asseverado pelo acórdão objurgado, o segurado esteva "exposto de modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente", ao frio e a níveis médios de ruído superiores ao limite regulamentar (e-STJ fl. 254). A modificação dessa conclusão importaria em revolvimento de matéria fática, não condizente com a natureza do recurso especial. Incidência, na espécie, do óbice da Súmula n. 7/STJ.

PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO.

1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991.

2. Precedentes do STF e do STJ.

CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. OBSERVÂNCIA DA LEI EM VIGOR POR OCASIÃO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. DECRETO N.3.048/1999, ARTIGO 70, §§ 1º E 2º. FATOR DE CONVERSÃO. EXTENSÃO DA REGRA AO TRABALHO DESEMPENHADO EM QUALQUER ÉPOCA.

1. A teor do § 1º do art. 70 do Decreto n. 3.048/99, a legislação em vigor na ocasião da prestação do serviço regula a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais. Ou seja, observa-se o regramento da época do trabalho para a prova da exposição aos agentes agressivos à saúde: se pelo mero enquadramento da atividade nos anexos dos Regulamentos da Previdência, se mediante as anotações de formulários do INSS ou, ainda, pela existência de laudo assinado por médico do trabalho.

2. O Decreto n. 4.827/2003, ao incluir o § 2º no art. 70 do Decreto n. 3.048/99, estendeu ao trabalho desempenhado em qualquer período a mesma regra de conversão. Assim, no tocante aos efeitos da prestação laboral vinculada ao Sistema Previdenciário, a obtenção de benefício fica submetida às regras da legislação em vigor na data do requerimento.

3. A adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um mero cálculo matemático e não de regra previdenciária.

4. Com a alteração dada pelo Decreto n. 4.827/2003 ao Decreto n. 3.048/1999, a Previdência Social, na via administrativa, passou a converter os períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época pela regra da tabela definida no artigo 70 (art. 173 da Instrução Normativa n. 20/2007).

5. Descabe à autarquia utilizar da via judicial para impugnar orientação determinada em seu próprio regulamento, ao qual está vinculada. Nesse compasso, a Terceira Seção desta Corte já decidiu no sentido de dar tratamento isonômico às situações análogas, como na espécie (EREsp n. 412.351/RS).

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

(REsp 1151363/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Revisão de Aposentadoria por Invalidez negada pelo STF

O STF rejteitou a tese de revisão da renda das aposentadorias por invalidez
precedidas por auxílio-doença.

Entenda a questão:

O cálculo dos benefícios previdenciário é realizado em três etapas: (a) identifica-se os salários de contribuição, que correspodem, basicamente, à remuneração dos segurados; (b) em seguida, calcula-se a média dessas remunerações (na verdade, dos 80% maiores salários de contribuição), para se chegar ao salário de benefício; (c) por fim, aplica-se uma alíquota (coeficiente de cálculo) sobre o salário de benefício. Para o auxílio-doença, o coeficiente é de 91%; já a aposentadoria por invalidez corresponde a 100% do salário de benefício.

Assim, para calcular um auxílio-doença, o INSS apura o salário de benefício (média das remunerações) e, em seguida, aplica a alíquota de 91%. Entretanto, quando a incapacidade evolui para uma invalidez total e permanente e o auxílio-doença é convertido em uma aposentadoria por invalidez, a autarquia entende que não é necessário fazer uma nova média, aplicando o coeficiente da aposentadoria (100%) sobre o salário de benefício calculado para o auxílio-doença.

Os segurados se insurgiram contra esse entendimento, afirmando que seria necessário calcular um novo salário de benefício para a aposentadoria, amparando sua tese no § 5º, do art. 29, da Lei 8.213/91.

O STF, todavia, deu razão ao INSS, afirmando que o referido dispositivo legal só é aplicado aos casos em que o período em gozo de auxílio-doença for intercalado, isto é, estiver entre períodos de atividade. Assim, a Corte afirmou a inaplicabilidade do § 5º, do art. 29, da Lei 8.213/91 aos casos de conversão de auxílio em aposentadoria, motivo pelo qual foi reconhecida a legalidade do § 7º, do art. 36, do Decreto 3.048/99.

Leia a notícia colhida do site do STF:

Afastamento contínuo da atividade sem contribuição não pode ser considerado para calcular aposentadoria por invalidez precedida de auxílio-doença

Por unanimidade dos votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 583834, com repercussão geral reconhecida. O recurso, de autoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), questionava acórdão da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais de Santa Catarina que determinou que o valor do auxílio-doença fosse considerado como salário de contribuição – e, por isso, usado para calcular a renda mensal inicial do benefício da aposentadoria por invalidez.

O INSS, no entanto, argumentou que, quando a aposentadoria por invalidez for precedida de recebimento de auxílio-doença durante período não intercalado com atividade laborativa, o valor dos proventos deveria ser obtido mediante a transformação do auxílio-doença, correspondente a 91% do salário de benefício, em aposentadoria por invalidez, equivalente a 100% do salário de benefício. De outro lado, o segurado que é parte no RE defende que o auxílio-doença deve ser utilizado como salário de contribuição durante o tempo em que foi pago, repercutindo no valor de sua aposentadoria.

Conforme os autos, o recorrido se aposentou por invalidez após se afastar da atividade durante período contínuo em que recebeu auxílio-doença e não contribuiu para a previdência. Por esse motivo, o instituto alega que não se pode contabilizar fictamente o valor do auxílio como salário de contribuição.
Provimento

O relator da matéria, ministro Ayres Britto, votou pelo provimento do recurso extraordinário do INSS e foi seguido pela unanimidade dos ministros. Segundo o relator, a decisão contestada mandou recalcular os proventos de acordo com os parâmetros utilizados para aposentadoria por invalidez precedida de afastamento intercalado com períodos trabalhados [quando se volta a contribuir], “o que não foi o caso dos autos”.

Em seu voto, o relator afirmou que o regime geral da previdência social tem caráter contributivo [caput do artigo 201 da Constituição Federal], “donde se conclui, pelo menos a princípio, pelo desacerto de interpretações que resultem em tempo ficto de contribuição”.

Para ele, não deve ser aplicado ao caso o § 5º do art. 29 da Lei 8.213/91 [Lei de Benefícios da Previdência Social], que é “uma exceção razoável à regra proibitiva de tempo de contribuição ficta ou tempo ficto de contribuição”. Isso porque tal dispositivo, segundo ele, “equaciona a situação em que o afastamento que precede a aposentadoria por invalidez não é contínuo, mas intercalado com períodos de labor”. Períodos em que, conforme ressalta o relator, é recolhida a contribuição previdenciária porque houve uma intercalação entre afastamento e trabalho, o que não é o caso autos.

O ministro Ayres Britto avaliou que a situação não se modificou com alteração do artigo 29 da Lei 8.213 pela Lei 9.876/99 porque a referência “salários de contribuição” continua presente no inciso II do caput do artigo 29, que também passou a se referir a período contributivo. “Também não há norma expressa que, à semelhança do inciso II do artigo 55 da Lei de Benefícios, mande aplicar ao caso a sistemática do § 5º de seu artigo 29”, afirmou.
“O § 7º do artigo 36 do Decreto 3.048/99 não me parece ilegal porque apenas explicita a correta interpretação do caput, do inciso II e do § 5º do artigo 29 em combinação com o inciso II do artigo 55 e com os artigos 44 e 61, todos da Lei de Benefícios da Previdência Social”, ressaltou o ministro.
Em seguida, o relator considerou que, mesmo se o caso fosse de modificação da situação jurídica pela Lei 9.876/99, o fato é que esta não seria aplicável porque a aposentadoria em causa foi concedida antes da sua vigência. Conforme o ministro, “a extensão de efeitos financeiros de lei nova a benefício previdenciário anterior a respectiva vigência viola tanto o inciso XXXVI do artigo 5º quanto o § 5º do artigo 195 da CF”, conforme precedentes do Supremo (REs 416827 e 415454, que tiveram por objeto a Lei 9.032/95)”.
Na mesma linha de pensamento do relator, o ministro Luiz Fux verificou que é uma contradição a Corte considerar tempo ficto de contribuição com a regra do caput do artigo 201 da Constituição Federal. “Fazer contagem de tempo ficto é totalmente incompatível com o equilíbrio financeiro e atuarial”, afirmou, salientando que se não houver salário de contribuição este não pode gerar nenhum parâmetro para cálculo de benefício.

A aposentadoria do recorrido se deu antes da Lei 9.876, então a questão era exatamente uma questão de direito intertemporal. Nesse sentido, o ministro Luiz Fux lembrou a Súmula 359, do STF. “Anoto que vale para a Previdência Social a lógica do tempus regit actum de modo que a fixação dos proventos de inatividade deve dar-se de acordo com a legislação vigente ao tempo do preenchimento dos requisitos”, disse.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

PENSÃO POR MORTE: debate sobre a proposta de reforma

A Comissão de Previdência Social, da OAB/Niterói, promoverá, no dia 07/10, às 9h30, o fórum de debates "Pensão por Morte no Contexto da Reforma Previdenciária".

O evento, que é gratuito, contará com a participação de Anderson Oliveira Castelucio Neto, Fábio Souza, Cristiana Miziara Mussi e Teodoro Ricardo Selva de Mello.

Na ocasião, serão debatidas, de modo crítico, as propostas de alteração da legislação previdenciária, especialmente, no que tange à alteração do valor, da duração e dos beneficiários da pensão por morte.

Vale a pena conferir. A OAB/Niterói fica na Av. Ernani do Amaral Peixoto, 507, 11º andar, Centro, Niterói, RJ.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Direito à Saúde: medicamento contra câncer *

* esta postagem é a transcrição da fundamentação de uma decisão concessiva de antecipação de tutela, por mim proferida em 2011.

A contrução teve por base minha dissertação de mestrado. Para eventual citação, por favor, utilizar a seguinte referência:
(SOUZA, Fábio. Tutela judicial do direito à saúde. Dissertação (mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – 2010)

A tutela judicial do direito à saúde é matéria extremamente delicada. A relevância do acesso ao cuidado médico justifica o esforço da coletividade, por meio do Estado, para garantir ao indivíduo o tratamento necessário. Surge, assim, uma nova função estatal: viabilizar o acesso dos cidadãos aos recursos terapêuticos. Trata-se de medida necessária, principalmente em cenários de desigualdades, onde o melhor da medicina é destinado aos poucos que podem pagar.

Entretanto, essa dinâmica nem sempre é harmônica, pois alguns integrantes da orposquestra social atuam em som destoante, desafinando o concerto. Por vezes, os cidadãos almejam receber prestações que a sociedade não está disposta – e não tem o dever – de fornecer. Em outros momentos, o Estado se negará a movimentar recursos públicos para o atendimento da necessidade sanitária, utilizando argumentos como deficiência orçamentária, desnecessidade do tratamento, não comprovação de eficácia, entre diversos outros.

Forma-se, assim, uma situação de tensão. Os recursos terapêuticos muitas vezes não chegam aos cidadãos por uma opção política. Em alguns casos, é forçoso concordar com a opção negativa, seja em razão de dúvidas sobre a eficácia ou a efetividade do tratamento, seja por considerar mais razoável fornecer prestações menos modernas (e mais baratas), porém suficientes ao cuidado médico. Em outros momentos, porém, a decisão política se distanciará da análise técnica, rejeitando prestações essenciais à manutenção da vida dos cidadãos.

É certo que o Poder Público tem liberdade para tomar a decisão político-técnica que julgar mais eficaz para garantir a saúde dos cidadãos em geral. Todavia, como para toda liberdade há limites, também essas decisões estão submetidas a parâmetros que não podem ser desrespeitados.

Caso a Administração desrespeite esses limites, fica submetida à fiscalização do Judicário, que tem o poder de, dentro de uma margem mais ou menos ampla, modificar as decisões sobre as políticas públicas de saúde. A atuação judicial, porém, deve respeitar as opções políticas inseridas nos limites democráticos das atividades dos órgãos responsáveis pelas escolhas. Apenas quando rompidas as barreiras da discricionariedade é que o controle judicial deve sindicar a atuação da Administração ou do legislador.

O equilíbrio entre o controle judicial, a atividade política e a técnica médica, entretanto, não é simples. Os limites não são delimitados de modo hialino e a tentação do Judiciário se sobrepor aos demais Poderes Constituídos se coloca a cada instante.

Atento a essa complexa e holística dinâmica da tutela judicial de direito à saúde, este juízo desenvolveu, em sede acadêmica, um roteiro para decisões judiciais, dividido em 05 etapas:

Etapa nº 01: análise da política pública sanitária

Considerando a necessidade de respeito, prima facie, às opções administrativas e legislativas, o juiz deve analisar se a prestação pleiteada já foi objeto de deliberação na formatação da política pública sanitária.

(a) se o legislador ou o administrador garantirem – no plano normativo – o cuidado almejado pelo autor, estará identificado um problema de execução de política pública, devendo o caso ser tratado como uma omissão de um ato vinculado.

(b) caso a prestação não tenha sido incorporada ao SUS, o juiz deve verificar se existe a omissão na análise ou se a exclusão foi deliberada no plano administrativo ou legal.

(b.1) Em caso de omissão, ao invés de substituir imediatamente o administrador, o juiz deve conceder um prazo razoável para que o sistema de gestão sanitária decida sobre a incorporação. Apenas se a omissão persistir, caberá ao sistema judicial apreciar a questão sem prévia manifestação da Administração Pública, considerando as próximas etapas do roteiro.

(b.2) Se houver deliberação prévia contrária ao fornecimento da prestação pelo SUS, o juiz deverá analisar sua validade, de acordo com as próximas etapas do roteiro.

Etapa nº 02: verificação dos protocolos médicos e diretrizes de tratamentos adotados pelo SUS

Ainda sob a inspiração do parâmetro 01, o juiz deve verificar a existência, no SUS, de um protocolo ou de uma diretriz de tratamento para o problema de saúde do paciente, diverso daquele pleiteado. Se houver uma alternativa terapêutica, a decisão judicial deve rejeitar o pedido autoral, exceto se ficar demonstrado, com auxílio pericial, que (a) o protocolo médico ou a diretriz de tratamento estão ultrapassados ou errados, de acordo com as técnicas atuais; ou (b) se trata de um caso específico para o qual o tratamento padrão não é indicado.

A verificação da existência de um protocolo ou de uma diretriz terapêutica deve ser realizada não apenas nos casos em que a tecnologia almejada não está incorporada ao SUS, como também naqueles em que o sistema público fornece a prestação sanitária, mas não para o tratamento da moléstia do autor, tratada por meio de outros procedimentos.

Etapa nº 03: análise do mínimo existencial sanitário e da hipossuficiência econômica

A terceira etapa do roteiro de decisão é aplicável, apenas, aos casos em que o controle não é de mera execução da política sanitária, mas do seu próprio conteúdo. Em outras palavras, trata-se de uma etapa decisória destinada aos cuidados ainda não incorporados pelo SUS.

Nessas hipóteses, após verificar a inexistência de alternativa terapêutica eficaz, o juiz deve checar se o cuidado pretendido pelo paciente integra o mínimo existencial sanitário, bem como se o autor está impossibilitado de arcar com os custos do tratamento ou de obtê-lo por qualquer outro motivo.

Em caso de resposta negativa a qualquer uma dessas questões, o pedido deve ser julgado improcedente.

Mais uma vez, insiste-se: esta etapa, que reúne a verificação dos parâmetros 02 (mínimo existencial sanitário) e 03 (hipossuficiência econômica), não se aplica aos casos de mera execução de política pública sanitária, uma vez que, se as normas diretivas do SUS prevêem o seu fornecimento, o gestor sanitário deve cumpri-las, independentemente de extrapolarem o mínimo existencial ou da capacidade econômica do paciente.

Etapa nº 04: identificação do responsável pelo cumprimento

Estando o juiz convencido do direito à obtenção da prestação sanitária perseguida, em razão da execução ou do controle do conteúdo da política pública, deverá, na quarta etapa decisória, socorrendo-se do parâmetro 04, identificar o responsável pelo fornecimento do cuidado.

Para tanto, deve respeitar, em princípio, a distribuição administrativa de atribuições sanitárias, mas sempre atento à responsabilidade subsidiária do ente maior pela falha do ente menor. Destaca-se, ainda, que a admissão do litisconsórcio passivo facultativo entre diferentes entes federativos não afasta o dever de o juiz especificar aquele que deve cumprir a ordem, resguardada a possibilidade de redirecionamento em caso de dificuldades na execução.

Etapa nº 05: teste do potencial de universalização da decisão
A quinta etapa decisória funciona como um teste final, capaz de verificar a racionalidade da decisão. Trata-se da aplicação do parâmetro 05, por meio do qual o juiz deve verificar o potencial de universalização da decisão, analisando se estaria disposto a aplicá-la a todas as pessoas na mesma situação do autor.

A operação é realizada por meio de um exercício de ponderação entre o impacto da decisão, potencialmente universalizada, na Administração Pública e o direito individual.
Caso a etapa nº 05 aponte para uma resposta negativa, o juiz pode retornar à etapa nº 04 e refazer o teste do potencial de universalização tendo como destinatário da ordem judicial o ente imediatamente maior.

(SOUZA, Fábio. Tutela judicial do direito à saúde. Dissertação (mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – 2010)

No presente caso, a autora pretende obter o medicamento Xeloda VO, que corresponde ao princípio ativo capecitabina. Segundo a bula do medicamento (disponível em http://www4.anvisa.gov.br/base/visadoc/BM/BM[26238-2-0].PDF, acesso em 09/06/2011), existe indicação para o tratamento de primeira linha de pacientes com câncer colorretal metástico, que, segundo o documento de fl. 16, é o caso da autora.

Faz-se mister submeter o pedido ao roteiro exposto.

Etapa nº 01. Este juízo forneceu oportunidade aos réus para se manifestarem sobre a incorporação da capecitabina ao SUS. Entretanto, as informações do Estado e do Município não foram esclarecedoras, apesar do último ter, ao menos, informado que “o medicamento xeloda não possui competência específica de fornecimento e não possui substituto na rede” (fl. 47).

Em consulta à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais 2010 (RENAME) (disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/rename2010final.pdf, acesso em 09/06/2011), observou-se a não inclusão da capecitabina na listagem de medicamento fornecidos pelo SUS.

Desse modo, o juízo verificou se havia procedimento administrativo analisando a incorporação dessa nova tecnologia ao SUS. Destarte, constatou-se que, em junho de 2008, foi publicado parecer técnico-científico elaborado por integrantes do Departamento de Ciência e Tecnologia, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, do Ministério da Saúde, que chegou à seguinte conclusão: “as evidências disponíveis são insuficientes para afirmar que a capecitabina seja eficaz e segura no tratamento do câncer colorretal Dukes C (Estádio III)” (OSANAI, Mário Henrique. Uso da capecitabina para câncer de colorretal Dukes’C (estádio III). Brasília: Ministério da Saúde, 2008, p. 23).

Entretanto, em que pese o estudo de 2008 afirmar que haveria necessidade de novos testes, o fato é que em 2010, diante de avanços na análise da eficácia e da segurança do medicamento, o Ministério da Saúde formulou consulta pública a respeito de sua proposta para as novas “Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Carcinoma Colorretal”, que inclui a utilização da capecitabina, como se infere da Consulta Pública (SAS/MS) nº 26, de 19 de agosto de 2010 (disponível em http://portal.saude.gov.br/ portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt =35004, em 09/06/2011 – original sem grifo):

A quimioterapia adjuvante está indicada para doentes com câncer colorretal no estágio III e excepcionalmente no estágio II, à critério clínico. Empregam-se esquemas terapêuticos baseados em fluoropirimidinas (5-fluorouracil, UFT ou capecitabina), associados ou não a oxaliplatina ou irinotecano. (...) Empregam-se esquemas terapêuticos baseados em fluoropirimidinas (5-fluorouracil, UFT ou capecitabina), associados ou não a oxaliplatina ou irinotecano. (...) Empregam-se esquemas terapêuticos baseados em fluoropirimidinas (5-fluorouracil, UFT ou capecitabina), associados ou não a oxaliplatina, irinotecano, mitomicina C, bevacizumabe ou cetuximabe, observando-se características clínicas do doente e condutas médicas padronizadas na instituição.

Em doentes com metástases hepáticas ressecáveis (número limitado de lesões, localização intrahepática, ausência de envolvimento vascular, ausência ou mínima doença metastática extra-hepática, reserva funcional hepática adequada), a ressecção completa da doença hepática pode resultar em taxas de sobrevida em 5-anos de 25% a 40%.

Doentes com metástases hepáticas irressecáveis e ausência ou mínima doença metastática extra-hepática podem se beneficiar de quimioterapia intraarterial associada à quimioterapia paliativa sistêmica baseada em fluoropirimidinas, contendo ou não oxaliplatina ou irinotecano, com objetivo de reduzir o volume tumoral e permitir a ressecção cirúrgica.

A resposta objetiva à quimioterapia prévia à cirurgia não implica em maior sobrevida e o prognóstico de doentes com metástases hepáticas tratados por cirurgia e quimioterapia sistêmica não difere segundo a ordem do tratamento recebido. Em um estudo preliminar, o uso de regime terapêutico contendo cetuximabe promoveu taxa de ressecabilidade maior que controles históricos, porém o significado clínico em termos de benefícios clínicos duradouros ou ganho de sobrevida são desconhecidos.

Muitos regimes de quimioterapia sistêmica podem ser usados com finalidade paliativa, contendo medicamentos tais como 5-fluorouracil, capecitabina, UFT, irinotecano, oxaliplatina, raltitrexede, bevacizumabe e cetuximabe, em monoterapia ou em associação, por até três linhas de tratamento. A seleção do tratamento deve considerar as características fisiológicas e capacidade funcional individuais, perfil de toxicidade clínica, preferências do doente e protocolos terapêuticos institucionais.

Além disso, o Formulário Terapêutico Nacional 2010 (FTN) (disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/FTN_2010.pdf, acesso em 09/06/2011), elaborado pelo Ministério da Saúde, com base em “informações cientificas, isentas de conflitos de interesse e com base em evidencias, sobre os fármacos constantes da Rename 2010, visando subsidiar profissionais de saúde para a prescrição, dispensacão e uso dos medicamentos indispensáveis a nosologia prevalente”, prevê a utilização da capecitabina, associada a outros medicamentos contemplados na RENAME:

Câncer colorretal metastásico

• Oxaliplatina 130 mg/m2, por infusão intravenosa, durante 2 horas, no dia 1; capecitabina 1 g/m2, por via oral, duas vezes ao dia, nos dias de 1 a 14; bevacizumabe 7,5 mg/kg, por infusão intravenosa, durante 30 a 90 minutos, no dia 1 a cada 3 semanas.

Em resumo, apesar da capecitabina não ter sido inserida na RENAME 2010, o Ministério da Saúde já produziu diretrizes de tratamento que utilizam esse fármaco, que ainda não foram aprovadas, mas já se submeteram à consulta pública. Por outro lado, o próprio FTN 2010 indica que o mencionado medicamento deve ser utilizado no tratamento de câncer colorretal.

Desse modo, como já decorreu tempo razoável desde a consulta pública formulado em agosto de 2010, bem como a indicação de que o Ministério da Saúde tende a incorporá-lo na RENAME, uma vez que já o incluiu no FTN, considero superada a primeira fase do roteiro de decisão judicial, reconhecendo a existência de omissão por tempo desproporcional na análise da inclusão do medicamento na listagem do SUS.

Etapa nº 2. Como já narrado na etapa anterior, apesar do atual protocolo clínico do SUS contemplar expressamente a capecitabina, a própria Administração Pública reconhece a deficiência das técnicas empregadas atualmente na rede pública e já se movimenta para alterá-las, inclusive com a inclusão do quimioterápico citado, como se conclui com a Consulta Pública (SAS/MS) nº 26, de 19 de agosto de 2010 (disponível em http://portal.saude.gov.br/ portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt =35004, em 09/06/2011).
Ademais, o próprio FTN, antecipando-se à RENAME, já mencionou o medicamento como indicado para os casos de câncer colorretal (disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/FTN_2010.pdf, acesso em 09/06/2011).
Há suficiente verossimilhança de que a diretriz de tratamento está ultrapassada, de acordo com as técnicas atuais, o que justifica o manejo da droga em questão. Nesse ponto, some-se a manifestação do Município de que não há substituto para o fármaco na rede (fl. 47).

Etapa nº 3. A utilização do medicamento objetiva o prolongamento da vida da autora por tempo razoável, não se tratamento de procedimento heróico com poucas possibilidades de êxito. De acordo com a diretriz proposta pelo Ministério da Saúde e disponibilizada para a consulta pública nº 26/2010 (disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=35004 , acesso em 09/06/2011), o tratamento quimioterápico do carcinoma colorretal, inclusive com a utilização da capecitabina, produz os seguintes resultados:

Em doentes com metástases hepáticas ressecáveis (número limitado de lesões, localização intrahepática, ausência de envolvimento vascular, ausência ou mínima doença metastática extra-hepática, reserva funcional hepática adequada), a ressecção completa da doença hepática pode resultar em taxas de sobrevida em 5-anos de 25% a 40%.

Doentes com metástases hepáticas irressecáveis e ausência ou mínima doença metastática extra-hepática podem se beneficiar de quimioterapia intraarterial associada à quimioterapia paliativa sistêmica baseada em fluoropirimidinas, contendo ou não oxaliplatina ou irinotecano, com objetivo de reduzir o volume tumoral e permitir a ressecção cirúrgica.

Desse modo, não há dúvidas de que trata-se de prestação incluída no conceito de mínimo existencial sanitário, pois essencial à prorrogação da vida, sem que configure distanásia.

Por outro lado, considerando que a renda da autora é de aproximadamente R$ 4.500,00 (fl. 15) e que o fármaco custa, segundo consulta a sítios na internet, mais de R$ 2.000,00, é razoável concluir pela impossibilidade de custeio do tratamento, principalmente porque nessa fase da doença o paciente assume diversas outras despesas decorrentes do estado de saúde.

Assim, também fica superada a 3ª etapa do roteiro.

Etapa nº 4. É necessário, neste momento, definir o ente responsável pelo fornecimento do medicamento. Para tanto, é válida a consulta ao Regulamento do Sistema Único de Saúde, aprovado pela Portaria nº 2.048/2009, do Ministro da Saúde, no qual consta a previsão da Política Nacional de Atenção Oncológica, que inclui os seguintes componentes fundamentais, entre outros (art. 201):

III - atenção básica: realização, na Rede de Serviços Básicos de Saúde - Unidade Básicas de Saúde e Equipes da Saúde da Família, de ações de caráter individual e coletivo, voltadas à promoção da saúde e à prevenção do câncer, bem como ao diagnóstico precoce e ao apoio à terapêutica de tumores, aos cuidados paliativos e às ações clínicas para o seguimento de doentes tratados;

IV - média complexidade: assistência diagnóstica e terapêutica especializada, inclusive cuidados paliativos, garantida a partir do processo de referência e contrarreferência dos pacientes, ações essas que devem ser organizadas segundo o planejamento de cada unidade federada e os princípios e diretrizes de universalidade, equidade, regionalização, hierarquização e integralidade da atenção à saúde;

V - alta complexidade: garantia do acesso dos doentes com diagnóstico clínico ou com diagnóstico definitivo de câncer a esse nível de atenção, determinando a extensão da neoplasia (estadiamento), tratando, cuidando e assegurando qualidade de acordo com rotinas e condutas estabelecidas, assistência essa que se dará por meio de Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia e Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON);

Em uma análise não exauriente, este juízo reconhece plausibilidade na classificação do tratamento pleiteado entre aqueles de alta complexidade e, por isso, de responsabilidade da União.

Etapa nº 5. Considerando a relevância da capecitabina para o tratamento do câncer colorretal, já reconhecido por documento do Ministério da Saúde, bem como diante de um custo que não parece extrapolar os limites da razoabilidade, este juízo não tem dúvidas de que seus argumentos podem (e deveriam) ser aplicados a todos os casos idênticos, o que permite ultrapassar a 5ª etapa do roteiro de decisão judicial sobre a tutela do direito à saúde.

3. DISPOSITIVO

Isto posto, CONCEDO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, para determinar que a UNIÃO forneça o medicamento capecitabina, na dose 2,0 G/m2 D1-D14, a cada 21 dias, mediante a apresentação de prescrição atualizada do médico assistente, até o trânsito em julgado ou decisão judicial em contrário. No prazo de 05 dias, deve a União informar o local em que a autora – ou seu representante – apresentará a prescrição médica e retirará o medicamento. O prazo para o fornecimento do quimioterápico será de 10 dias, contados da apresentação da prescrição médica à unidade indicada pela União, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada a R$ 30.000,00. Intimem-se com urgência. Citem-se.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

DECADÊNCIA E REVISÃO DE BENEFÍCIOS

COMO FICAM OS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS ANTES DE JUNHO DE 1997?

A Lei 9.528/1997 (fruto de conversão da Medida Provisória 1.523-9, de 27/06/1997) , modificou a redação do art. 103 da Lei 8.213/91, para instituir o prazo decadencial de 10 anos, para o exercício do direito de revisão do ato de concessão do benefício. A Lei 9.711/98 reduziu o prazo para 05 anos e a Lei 10.839/04 restabeleceu o período decenal.

Duas teses dividem as opiniões sobre a aplicação do prazo decadencial aos benefícios concedidos antes de sua criação (dezembro de 1997):

(a) aplicação imediata da Lei 9.528/97: a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TNU) sustenta a aplicação imediata da Lei 9.528/97, para que passe a regular os efeitos futuros dos benefícios concedidos antes de sua vigência (PEDILEF 200670500070639, JUÍZA FEDERAL JACQUELINE MICHELS BILHALVA, 24/06/2010). Isso significa que, apesar de não ser possível a retroatividade máxima (com a contagem do prazo desde a concessão dos benefícios antigos), a decadência se aplica a esse benefícios, contada da vigência da lei que a institui. Destarte, em 01 de agosto de 2007 teria decaído o direito à revisão de todos os benefícios concedidos antes de junho de 1997. Esse, aliás, é o entendimento sumulado no verbete nº 8, da Turma Regional de Uniformização da 2ª Região.

(b) irretroatividade da Lei 9.528/97: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirma que, como decadência é tema de direito material, não é possível a aplicação imediata da Lei 9.528/97, devendo o assunto ficar submetido ao princípio tempus regit acto. Por esse motivo, os benefícios concedidos antes de 28/06/1997, não estão submetidos a qualquer prazo decadencial para a revisão dos respectivos atos de concessão. Aquela Superior Corte de Justiça permanece com esse entendimento em seus julgados mais recentes, como por exemplo: AgRg no REsp 1223160/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral do tema, ao admitir o Recurso Extraordinário nº 626.489, cuja relatoria é do Ministro Ayres Britto. A decisão do STF oferecerá solução capaz de estabilizar a jurisprudência. Até que o julgamento seja concretizado, porém, vale destacar que a Corte Suprema tem forte entendimento favorável à aplicação do princípio tempus regit acto, rejeitando a possibilidade de aplicação imediata. Foi esse, por exemplo, o entendimento adotado no julgamento da revisão da renda da pensão por morte, no qual impediu a aplicação da Lei 9.032/95, aos benefícios concedidos antes de sua vigência.

Destarte, a manutenção da coerência do entendimento do STF sobre o tema, indica a grande probabilidade de prevalência da posição atualmente adotada pelo STJ, que rejeita a aplicação do prazo decadencial aos benefícios concedidos antes de 28/06/1997.