(esse texto é uma sinopse do artigo com a seguinte referência bibliográfica: SOUZA, Fábio. In: Tavares, Marcelo Leonardo (org.). Direito em Foco: Direito Previdenciário. Niterói: Impetus, 2005.)
1. Introdução
O tema desaposentação vem conquistando espaço na doutrina e na jurisprudência, assumindo significativo relevo no campo do Direito Previdenciário.
A possibilidade de o segurado desaposentar-se, as conseqüências dessa opção, as modalidades de benefícios que a admitem, o aproveitamento do tempo de contribuição anterior e posterior à aposentadoria e a necessidade de devolução das parcelas recebidas são questões ainda não solucionadas de forma pacífica e exigem reflexão aprofundada, por estarem diretamente relacionadas com normas constitucionais e a base principiológica do Direito Público.
Considerações sobre a possibilidade de renúncia à prestação previdenciária, o equilíbrio atuarial do regime de previdência e os aspectos do fato gerador do benefício são de importância capital para a análise da desaposentação. Outrossim, importa perquirir a respeito das disposições legais e regulamentares sobre o tema, analisando seus fundamentos de validade e sua harmonia com o sistema jurídico vigente.
Todavia, a questão nuclear para a boa compreensão do instituto é o estudo da influência da vontade do segurado sobre a manutenção do benefício. Esse questionamento pode gerar a necessidade de uma releitura de alguns tópicos do Direito Previdenciário, a fim de construir (ou reconstruir) a base sobre a qual o estudo será desenvolvido.
2. Fato Gerador do Benefício Previdenciário
Analisando as disposições normativas sobre as modalidades de aposentadoria, percebe-se que a lei fornece os critérios de identificação das situações capazes de gerar o direito ao benefício3. Preenchendo esses elementos, o segurado passa a fazer jus à aposentadoria. Trata-se da hipótese de incidência da lei previdenciária.
Há quatro ângulos essenciais para a análise da hipótese de incidência, fazendo com que ganhem destaque os seus aspectos pessoal, espacial, temporal e material6.
3. Diferença entre o direito ao benefício e o direito aos proventos
Atendidos todos os aspectos da hipótese de incidência, surge o direito personalíssimo ao benefício, o qual não é suscetível de transação ou cessão.
Porém, o fato de existir o direito ao benefício não impõe o seu exercício. O segurado pode ter preenchido todos os requisitos para uma aposentadoria, mas optar por não exercer esse direito, renunciando aos proventos dele decorrentes.
A renúncia aos proventos não implica em perda do direito à aposentadoria, pois esse já foi adquirido e passou a integrar o patrimônio do segurado. Apenas as parcelas que seriam devidas caso o segurado estivesse aposentado são renunciadas.
Essa sistemática foi adotada pela Lei 8.213/91, como pode ser percebido ao analisar as regras sobre a data de início dos benefícios. Tomando como exemplo a aposentadoria por idade, o art. 49 prevê ser devido o benefício (I) ao segurado empregado, inclusive doméstico, a partir: (a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 dias depois dela; ou (b) da data do requerimento quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo anterior; e (II) para os demais segurados, da data da entrada do requerimento. A regra, cuja aplicação é estendida às aposentadorias por tempo de contribuição e especial, traz a manifestação de vontade, expressada pelo requerimento administrativo, como elemento determinante para o início do gozo do benefício. Isso se justifica, principalmente, nos casos onde a incapacidade – aspecto material do fato gerador da aposentadoria – é presumida. Afinal, a presunção legal existe em benefício do segurado, sendo incoerente com o sistema considerá-la presente contra a vontade deste, salvo em hipóteses excepcionais, como a aposentadoria compulsória por idade, prevista no art. 51 da Lei 8.213/91. Extrai-se daí, portanto, que, apesar de o direito ao benefício surgir com o preenchimento de todos os aspectos da hipótese de incidência, os proventos apenas são devidos com a manifestação de vontade do segurado.
O fato gerador do direto aos proventos é, portanto, diferente do fato gerador do direito ao benefício, pois é consubstanciado na soma do próprio direito ao benefício e a vontade de gozá-lo, veiculada no requerimento à autarquia.
Para a aposentação, portanto, é essencial a vontade do segurado – ainda que o direito ao benefício seja adquirido, sem a vontade não haverá aposentadoria. O direito ficará resguardado até o momento em que o segurado desejar exercê-lo.
Como o direito aos proventos apenas surge com a vontade de se aposentar, durante o período em que, mesmo após a aquisição do direito ao benefício, o segurado não manifestou sua vontade, inexistirá direito à percepção de renda
previdenciária.
4. A vontade e a manutenção da aposentadoria
Estabelecida a diferença entre os direitos ao benefício e aos proventos, emerge hialina a importância da vontade para o gozo da aposentadoria. Essa relevância, porém, não se limita ao momento da concessão do benefício, estando presente durante todo o período de sua manutenção.
Por isso, cabe indagar se a manifestação volitiva positiva pode ser reconsiderada, para que o segurado, sem perder o direito à aposentadoria, deixe de exercê-lo, passando a não mais auferir os proventos. Para tanto, importa investigar a natureza jurídica do ato de concessão da aposentadoria.
Considerando o ato administrativo como uma manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, nota-se que a concessão da aposentadoria se materializa por meio de um ato dessa natureza.
Como a lei estabelece todos os requisitos e condições para a aposentação, é indiscutível o fato de a concessão da aposentadoria possuir natureza de ato administrativo vinculado. Preenchidos todos os aspectos do fato gerador do benefício e manifestada a vontade do segurado, a aposentadoria deve ser concedida, sem espaço para discricionariedade da Administração Pública, já que a lei regula o comportamento a ser adotado pela autarquia nessa situação.
Por ser um ato vinculado, onde não cabe à Administração analisar sua conveniência e oportunidade, é impossível a sua revogação pela autarquia previdenciária. Mas, se um dos aspectos do fato gerador do direito aos proventos é a vontade do segurado, fica evidente que, embora vinculado para a administração, o beneficiário poderá analisar a conveniência e a oportunidade relacionadas aos seus interesses individuais e, assim, manifestar ou não a vontade de se aposentar ou de continuar aposentado.
A irrevogabilidade, portanto, tem por principal escopo a proteção do segurado, que fica garantido contra alterações da análise do mérito do ato administrativo. Afinal, por conferir fundamental importância à proteção contra os riscos sociais, o legislador, antecipadamente, já indica com precisão o motivo e o objeto do ato de concessão. Todavia, se é o próprio segurado quem deseja deixar de exercer o direito à aposentadoria, abrindo mão dos proventos, é paradoxal que a norma, cujo objetivo é protegê-lo, o impeça de assumir postura que lhe pareça mais benéfica.
Desejando o segurado reconsiderar sua manifestação volitiva, para não mais continuar aposentado, inexistirá o elemento vontade e o fato gerador do direito aos proventos tornará a ficar incompleto, sendo vedado à Administração continuar a pagar as parcelas remuneratórias.
A reconsideração da manifestação volitiva, porém, não acarretará a perda do direito ao benefício. Como esse direito não depende da vontade, tendo sido incorporado ao patrimônio do segurado, goza da proteção que a Constituição da República confere aos direitos adquiridos.
Portanto, ainda que inexistente o direito aos proventos pela ausência da vontade, o segurado continuará titular do direito à aposentadoria e poderá voltar a exercê-lo em qualquer tempo, bastando a manifestação volitiva nesse sentido.
É verdade que, após o requerimento da aposentadoria, a vontade de permanecer aposentado é presumida, não havendo necessidade de renovação da manifestação positiva. Contudo, pode o segurado afastar essa presunção, oferecendo requerimento de desaposentação, por meio do qual expressa a inexistência de vontade de permanecer aposentado.
Dessa forma, deverá a Administração emitir um ato administrativo extintivo ou desconstitutivo14, que colocará termo à aposentação. Trata-se de ato vinculado, pois não há análise de conveniência e oportunidade para se deferir a desaposentação. Cumprido o requisito negativo, consubstanciado na ausência de vontade, deve a autarquia cessar o benefício.
Outrossim, ao contrário do sustentado por parcela da doutrina, a desaposentação não exige a imediata opção por outra aposentadoria mais benéfica. É possível que o segurado deixe de exercer o direito a uma aposentadoria sem desejar receber, naquele momento, outro benefício. Para a desaposentação, portanto, o único requisito é a manifestação volitiva negativa.
5. Desaposentação e revisão do benefício
O aproveitamento do tempo de contribuição para a concessão de nova e mais vantajosa aposentadoria é radicalmente diverso da simples revisão do valor do benefício utilizando o tempo de contribuição posterior à concessão da aposentadoria.
Nesta última, o segurado em gozo de benefício simplesmente requer a revisão de sua renda mensal, para que seja computado, no cálculo, o período em que trabalhou após a concessão da aposentadoria, recolhendo contribuição. Não ocorre reconsideração da manifestação de vontade, tampouco renúncia aos proventos. O segurando pretende, tão somente, aumentar a renda do benefício com o acréscimo do período contributivo pós-aposentadoria.
Porém, a Lei 8.213/91 (art. 18, § 2º), com redação atual dada pela Lei 9.528, de 10 de dezembro de 1997, nega ao aposentado que permanecer ou retornar a atividade sujeita ao regime geral o direito a qualquer prestação de previdência social, exceto o salário-família e a reabilitação profissional. O art. 11, § 3º da Lei 8.213/91 e o art. 12, § 4º da Lei 8.212/91, todavia, o incluem entre os segurados obrigatórios para fins de custeio da previdência social, ficando sujeito ao pagamento de contribuição previdenciária. A vedação da Lei 8.213/91 é peremptória e abrange qualquer prestação da previdência social, com as duas pequenas exceções previstas no § 2º do art. 18. Inclui, portanto, não só extinto pecúlio, como qualquer outro benefício ou aumento de benefício.
Logo, o tempo de contribuição posterior à aposentadoria não pode ser considerado para a melhoria de benefício já concedido.
Outro argumento contrário à simples revisão tem base na interpretação histórica da Lei 8.213/91, que, em sua redação original, garantia ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço, quando voltava a exercer atividade abrangida pelo regime geral, o recebimento de pecúlio, correspondente a um pagamento único no valor da soma das importâncias relativas às contribuições do segurado após a aposentadoria. Já aquele segurado que, tendo direito à aposentadoria por tempo de serviço, optasse pelo prosseguimento na atividade, faria jus ao abono de permanência em serviço, mensal, correspondendo a 25% dessa aposentadoria para o segurado com 35 anos ou mais e para a segurada com 30 anos ou mais de serviço. Ambos os benefícios foram extintos pela Lei 8.870, de 15 de abril de 1994, ao revogar o inciso II do art. 84 e o art. 87 da Lei 8.213/91. A análise desses dispositivos demonstra a impossibilidade de revisão da renda de uma aposentadoria por meio de acréscimo do tempo em que o segurado está aposentado. Isso porque, admitir que o segurado goze integralmente a aposentadoria enquanto continua a computar tempo de contribuição para o mesmo benefício significa conceder-lhe abono de permanência em serviço equivalente a 100% do valor da aposentadoria. Se a lei vedou o próprio abono, cujo valor era de 25% do valor dos proventos, estar-se-ia concedendo vantagem maior do que a prevista anteriormente na lei, em dispositivos que sequer possuem mais aplicação.
6. Desaposentação e aproveitamento do tempo de contribuição
A vontade de se desaposentar pode ser motivada por diversos elementos, tais como o arrependimento, a inadaptação à aposentadoria, o valor dos proventos ou o simples adiamento. Porém, a grande vantagem da desaposentação é o aproveitamento do tempo de contribuição utilizado na aquisição do direito à aposentadoria para a obtenção de outro benefício. Um segurado aposentado pelo regime geral de previdência social e, posteriormente, aprovado em um concurso público, por exemplo, pode ter interesse em se desaposentar para aproveitar o tempo de contribuição no regime próprio de previdência.
Questiona-se, todavia, se o tempo de contribuição pode ser utilizado para a obtenção de outro benefício no mesmo regime de previdência ou somente em um regime diferente20. Não há qualquer motivo para se limitar a autorização de utilização do tempo anterior a um regime diferente do qual foi concedida a aposentadoria. Se o segurado reconsidera a manifestação de vontade e renuncia aos proventos, deixando de exercer o direito à aposentadoria, inexiste um benefício sendo usufruído, seja no regime geral, seja em um regime próprio, razão pela qual não faz sentido restringir o aproveitamento do período em questão.
Outrossim, para aproveitar o tempo utilizado na aquisição do direito à aposentadoria que não se deseja mais usufruir, é desnecessário devolver os proventos já recebidos. A manifestação volitiva negativa, salvo expressa disposição em contrário, gera a renúncia dos proventos vincendos, não atingindo as parcelas já pagas pela autarquia.
Afinal, não se está diante de um benefício irregular, sujeito à anulação. A ausência ulterior do elemento vontade equivale a uma revogação promovida pelo segurado, que após analisar a conveniência e a oportunidade, de acordo com seus interesses, preferiu não mais exercer o direito à aposentadoria.
Assim como o ato administrativo produzido de forma regular, quando revogado, resguarda os efeitos produzidos até o momento da revogação21, a desaposentação mantém válidos os pagamentos dos proventos anteriores à cessação da aposentadoria, não se cogitando da devolução dos valores pagos devidamente22. Portanto, para aproveitamento do tempo anterior à concessão do benefício desconstituído, é incabível a exigência de devolução dos proventos pagos.
Todavia, quando o segurado, após a aposentadoria, exerceu atividade de filiação obrigatória e pretende utilizar esse tempo para a obtenção de outro benefício, aí sim deverá devolver os proventos percebidos no período que pretende utilizar. Isso porque, como adrede exposto, o § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 retira do segurado aposentado que continua exercendo atividade de filiação obrigatória o direito a qualquer benefício, exceto o salário-família24.
Se a regra é o tempo de trabalho ou contribuição posterior à aposentadoria não conferir direito a qualquer prestação, apenas as exceções expressamente previstas podem ser usufruídas. Por isso, o aproveitamento do tempo em que o segurado recebeu seus proventos não pode ser utilizado para a obtenção de outro benefício. Permitir a utilização do período posterior à aposentação, durante o qual foram recebidos proventos, para, somando-o ao tempo de contribuição anterior, possibilitar a obtenção de benefício mais vantajoso, significa onerar duplamente os cofres previdenciários, pois, além de pagar a renda da aposentadoria, deverá considerar esse período como tempo de serviço ou contribuição para outro benefício.
Em verdade, essa assertiva está amparada por um argumento de lógica. Permitir que o segurado aproveite o tempo trabalhado após a concessão da aposentadoria sem devolver os proventos significa atribuir efeitos distintos ao mesmo ato. Afinal, no que tange ao tempo de serviço ou contribuição, a desaposentação teria efeito ex tunc. Já para fins de renda, o efeito seria ex nunc. Essa diferença nos efeitos da desaposentação não pode ser admitida, pois prejudica o equilíbrio atuarial do regime de previdência e contraria o princípio da contributividade. Por conseguinte, em princípio, como a desaposentação é equiparada a uma revogação, seus efeitos, tanto remuneratórios, quanto os referentes à contagem de tempo, devem ter início apenas a partir de sua efetivação.
Há, porém, uma alternativa capaz de autorizar o segurado a aproveitar o tempo posterior à concessão da aposentadoria, bastando que o ato de desaposentação produza efeitos ex tunc, tanto em relação ao tempo de contribuição, quanto no que tange aos proventos. Caso o requerimento de desaposentação, expressamente, contenha a vontade do segurado de retroagir os efeitos do ato desconstitutivo até a data de concessão do benefício, todos os efeitos da desaposentação retroagirão à data de início da aposentadoria, significando que o beneficiário deverá recompor o status quo ante.
Logo, o tempo de serviço ou contribuição posterior à concessão da aposentadoria poderá ser aproveitado pelo segurado, já que, como os efeitos da desaposentação retroagirão até a data de início do benefício, cria-se a ficção de que jamais o beneficiário esteve aposentado.
Por outro lado, em razão dessa ficção, o segurado estará obrigado a restituir todas as verbas auferidas decorrentes da aposentadoria, com a devida correção monetária. Afinal, se foi considerado que a aposentadoria, para efeito de tempo de contribuição, jamais foi concedida, esse pensamento deve ser aplicado, também, em relação aos proventos. Se, para todos os fins, considera-se que a aposentadoria jamais foi concedida, os valores auferidos pelo segurado deixaram de ser devidos pela autarquia e devem ser devolvidos.
Em resumo, há duas alternativas para o segurado se desaposentar:
(a) como regra geral, a desconstituição do ato de concessão da aposentadoria, por ser equiparado a uma revogação, produzirá efeitos ex nunc, significando a desnecessidade de o segurado restituir os proventos recebidos e a impossibilidade de aproveitamento do tempo de serviço ou contribuição posterior à concessão da aposentadoria; ou
(b) com ressalva expressa no requerimento, a desaposentação produzirá efeitos ex tunc, obrigando o segurado a devolver todas as quantias recebidas em razão da aposentadoria e permitindo a contagem do tempo trabalhado após o início do benefício, sobre o qual deverá ser recolhida a contribuição previdenciária.
7. Conclusão
O direito à aposentadoria, como prestação da previdência social, objetiva tutelar o segurado contra os infortúnios. Trata-se de uma prestação estatal positiva com a finalidade de melhorar a qualidade de vida do beneficiário, seja fornecendo-lhe o mínimo necessário à subsistência, seja oferecendo-lhe a oportunidade de evoluir o padrão de vida.
Por sua natureza e seu objetivo, é inconcebível concordar com uma aposentadoria capaz de prejudicar o segurado. Assim, é fácil perceber que o ordenamento jurídico deveria conferir – e de fato confere – grande importância à manifestação de vontade para a fruição do direito à aposentação.
Como visto acima, esta vontade importa não apenas no momento da concessão, mas também para a manutenção do benefício. Se, por qualquer motivo, o segurado vislumbra na desconstituição do ato de concessão da aposentadoria uma melhor opção para sua vida, foge ao razoável obrigá-lo a permanecer aposentado, pois, nesse caso, o benefício previdenciário, ao invés de auxiliar, estaria prejudicando ou obstando o progresso de seu beneficiário.
Todavia, também esbarra no princípio da razoabilidade a simples renúncia ao direito à aposentadoria, com a perda de todo o período contributivo utilizado na obtenção do benefício. Em ambas as situações, faltaria, sem dúvida, a denominada razoabilidade externa, pois a norma previdenciária contrariaria os meios e os fins constitucionalmente eleitos para a manutenção da ordem social.
A desaposentação vem atender a essas hipóteses, em que a fruição do benefício não mais interessa ao segurado, mas o tempo de contribuição deve continuar inserido no seu patrimônio. Não é sem razão que a Lei 8.213/91 deixa de oferecer qualquer óbice ao referido instituto. Ao contrário, a sistemática nela presente autoriza vislumbrar uma autorização tácita para desconstituição do ato, na forma narrada nos itens anteriores.
A possibilidade de desaposentação, portanto, além de estar em harmonia com o regramento do regime geral de previdência social, representa, ainda, uma das formas de densificação da orientação constitucional de proteção social.
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TAVARES, Marcelo Leonardo. Previdência e Assistência Social – legitimação e
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1. Introdução
O tema desaposentação vem conquistando espaço na doutrina e na jurisprudência, assumindo significativo relevo no campo do Direito Previdenciário.
A possibilidade de o segurado desaposentar-se, as conseqüências dessa opção, as modalidades de benefícios que a admitem, o aproveitamento do tempo de contribuição anterior e posterior à aposentadoria e a necessidade de devolução das parcelas recebidas são questões ainda não solucionadas de forma pacífica e exigem reflexão aprofundada, por estarem diretamente relacionadas com normas constitucionais e a base principiológica do Direito Público.
Considerações sobre a possibilidade de renúncia à prestação previdenciária, o equilíbrio atuarial do regime de previdência e os aspectos do fato gerador do benefício são de importância capital para a análise da desaposentação. Outrossim, importa perquirir a respeito das disposições legais e regulamentares sobre o tema, analisando seus fundamentos de validade e sua harmonia com o sistema jurídico vigente.
Todavia, a questão nuclear para a boa compreensão do instituto é o estudo da influência da vontade do segurado sobre a manutenção do benefício. Esse questionamento pode gerar a necessidade de uma releitura de alguns tópicos do Direito Previdenciário, a fim de construir (ou reconstruir) a base sobre a qual o estudo será desenvolvido.
2. Fato Gerador do Benefício Previdenciário
Analisando as disposições normativas sobre as modalidades de aposentadoria, percebe-se que a lei fornece os critérios de identificação das situações capazes de gerar o direito ao benefício3. Preenchendo esses elementos, o segurado passa a fazer jus à aposentadoria. Trata-se da hipótese de incidência da lei previdenciária.
Há quatro ângulos essenciais para a análise da hipótese de incidência, fazendo com que ganhem destaque os seus aspectos pessoal, espacial, temporal e material6.
3. Diferença entre o direito ao benefício e o direito aos proventos
Atendidos todos os aspectos da hipótese de incidência, surge o direito personalíssimo ao benefício, o qual não é suscetível de transação ou cessão.
Porém, o fato de existir o direito ao benefício não impõe o seu exercício. O segurado pode ter preenchido todos os requisitos para uma aposentadoria, mas optar por não exercer esse direito, renunciando aos proventos dele decorrentes.
A renúncia aos proventos não implica em perda do direito à aposentadoria, pois esse já foi adquirido e passou a integrar o patrimônio do segurado. Apenas as parcelas que seriam devidas caso o segurado estivesse aposentado são renunciadas.
Essa sistemática foi adotada pela Lei 8.213/91, como pode ser percebido ao analisar as regras sobre a data de início dos benefícios. Tomando como exemplo a aposentadoria por idade, o art. 49 prevê ser devido o benefício (I) ao segurado empregado, inclusive doméstico, a partir: (a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 dias depois dela; ou (b) da data do requerimento quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo anterior; e (II) para os demais segurados, da data da entrada do requerimento. A regra, cuja aplicação é estendida às aposentadorias por tempo de contribuição e especial, traz a manifestação de vontade, expressada pelo requerimento administrativo, como elemento determinante para o início do gozo do benefício. Isso se justifica, principalmente, nos casos onde a incapacidade – aspecto material do fato gerador da aposentadoria – é presumida. Afinal, a presunção legal existe em benefício do segurado, sendo incoerente com o sistema considerá-la presente contra a vontade deste, salvo em hipóteses excepcionais, como a aposentadoria compulsória por idade, prevista no art. 51 da Lei 8.213/91. Extrai-se daí, portanto, que, apesar de o direito ao benefício surgir com o preenchimento de todos os aspectos da hipótese de incidência, os proventos apenas são devidos com a manifestação de vontade do segurado.
O fato gerador do direto aos proventos é, portanto, diferente do fato gerador do direito ao benefício, pois é consubstanciado na soma do próprio direito ao benefício e a vontade de gozá-lo, veiculada no requerimento à autarquia.
Para a aposentação, portanto, é essencial a vontade do segurado – ainda que o direito ao benefício seja adquirido, sem a vontade não haverá aposentadoria. O direito ficará resguardado até o momento em que o segurado desejar exercê-lo.
Como o direito aos proventos apenas surge com a vontade de se aposentar, durante o período em que, mesmo após a aquisição do direito ao benefício, o segurado não manifestou sua vontade, inexistirá direito à percepção de renda
previdenciária.
4. A vontade e a manutenção da aposentadoria
Estabelecida a diferença entre os direitos ao benefício e aos proventos, emerge hialina a importância da vontade para o gozo da aposentadoria. Essa relevância, porém, não se limita ao momento da concessão do benefício, estando presente durante todo o período de sua manutenção.
Por isso, cabe indagar se a manifestação volitiva positiva pode ser reconsiderada, para que o segurado, sem perder o direito à aposentadoria, deixe de exercê-lo, passando a não mais auferir os proventos. Para tanto, importa investigar a natureza jurídica do ato de concessão da aposentadoria.
Considerando o ato administrativo como uma manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, nota-se que a concessão da aposentadoria se materializa por meio de um ato dessa natureza.
Como a lei estabelece todos os requisitos e condições para a aposentação, é indiscutível o fato de a concessão da aposentadoria possuir natureza de ato administrativo vinculado. Preenchidos todos os aspectos do fato gerador do benefício e manifestada a vontade do segurado, a aposentadoria deve ser concedida, sem espaço para discricionariedade da Administração Pública, já que a lei regula o comportamento a ser adotado pela autarquia nessa situação.
Por ser um ato vinculado, onde não cabe à Administração analisar sua conveniência e oportunidade, é impossível a sua revogação pela autarquia previdenciária. Mas, se um dos aspectos do fato gerador do direito aos proventos é a vontade do segurado, fica evidente que, embora vinculado para a administração, o beneficiário poderá analisar a conveniência e a oportunidade relacionadas aos seus interesses individuais e, assim, manifestar ou não a vontade de se aposentar ou de continuar aposentado.
A irrevogabilidade, portanto, tem por principal escopo a proteção do segurado, que fica garantido contra alterações da análise do mérito do ato administrativo. Afinal, por conferir fundamental importância à proteção contra os riscos sociais, o legislador, antecipadamente, já indica com precisão o motivo e o objeto do ato de concessão. Todavia, se é o próprio segurado quem deseja deixar de exercer o direito à aposentadoria, abrindo mão dos proventos, é paradoxal que a norma, cujo objetivo é protegê-lo, o impeça de assumir postura que lhe pareça mais benéfica.
Desejando o segurado reconsiderar sua manifestação volitiva, para não mais continuar aposentado, inexistirá o elemento vontade e o fato gerador do direito aos proventos tornará a ficar incompleto, sendo vedado à Administração continuar a pagar as parcelas remuneratórias.
A reconsideração da manifestação volitiva, porém, não acarretará a perda do direito ao benefício. Como esse direito não depende da vontade, tendo sido incorporado ao patrimônio do segurado, goza da proteção que a Constituição da República confere aos direitos adquiridos.
Portanto, ainda que inexistente o direito aos proventos pela ausência da vontade, o segurado continuará titular do direito à aposentadoria e poderá voltar a exercê-lo em qualquer tempo, bastando a manifestação volitiva nesse sentido.
É verdade que, após o requerimento da aposentadoria, a vontade de permanecer aposentado é presumida, não havendo necessidade de renovação da manifestação positiva. Contudo, pode o segurado afastar essa presunção, oferecendo requerimento de desaposentação, por meio do qual expressa a inexistência de vontade de permanecer aposentado.
Dessa forma, deverá a Administração emitir um ato administrativo extintivo ou desconstitutivo14, que colocará termo à aposentação. Trata-se de ato vinculado, pois não há análise de conveniência e oportunidade para se deferir a desaposentação. Cumprido o requisito negativo, consubstanciado na ausência de vontade, deve a autarquia cessar o benefício.
Outrossim, ao contrário do sustentado por parcela da doutrina, a desaposentação não exige a imediata opção por outra aposentadoria mais benéfica. É possível que o segurado deixe de exercer o direito a uma aposentadoria sem desejar receber, naquele momento, outro benefício. Para a desaposentação, portanto, o único requisito é a manifestação volitiva negativa.
5. Desaposentação e revisão do benefício
O aproveitamento do tempo de contribuição para a concessão de nova e mais vantajosa aposentadoria é radicalmente diverso da simples revisão do valor do benefício utilizando o tempo de contribuição posterior à concessão da aposentadoria.
Nesta última, o segurado em gozo de benefício simplesmente requer a revisão de sua renda mensal, para que seja computado, no cálculo, o período em que trabalhou após a concessão da aposentadoria, recolhendo contribuição. Não ocorre reconsideração da manifestação de vontade, tampouco renúncia aos proventos. O segurando pretende, tão somente, aumentar a renda do benefício com o acréscimo do período contributivo pós-aposentadoria.
Porém, a Lei 8.213/91 (art. 18, § 2º), com redação atual dada pela Lei 9.528, de 10 de dezembro de 1997, nega ao aposentado que permanecer ou retornar a atividade sujeita ao regime geral o direito a qualquer prestação de previdência social, exceto o salário-família e a reabilitação profissional. O art. 11, § 3º da Lei 8.213/91 e o art. 12, § 4º da Lei 8.212/91, todavia, o incluem entre os segurados obrigatórios para fins de custeio da previdência social, ficando sujeito ao pagamento de contribuição previdenciária. A vedação da Lei 8.213/91 é peremptória e abrange qualquer prestação da previdência social, com as duas pequenas exceções previstas no § 2º do art. 18. Inclui, portanto, não só extinto pecúlio, como qualquer outro benefício ou aumento de benefício.
Logo, o tempo de contribuição posterior à aposentadoria não pode ser considerado para a melhoria de benefício já concedido.
Outro argumento contrário à simples revisão tem base na interpretação histórica da Lei 8.213/91, que, em sua redação original, garantia ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço, quando voltava a exercer atividade abrangida pelo regime geral, o recebimento de pecúlio, correspondente a um pagamento único no valor da soma das importâncias relativas às contribuições do segurado após a aposentadoria. Já aquele segurado que, tendo direito à aposentadoria por tempo de serviço, optasse pelo prosseguimento na atividade, faria jus ao abono de permanência em serviço, mensal, correspondendo a 25% dessa aposentadoria para o segurado com 35 anos ou mais e para a segurada com 30 anos ou mais de serviço. Ambos os benefícios foram extintos pela Lei 8.870, de 15 de abril de 1994, ao revogar o inciso II do art. 84 e o art. 87 da Lei 8.213/91. A análise desses dispositivos demonstra a impossibilidade de revisão da renda de uma aposentadoria por meio de acréscimo do tempo em que o segurado está aposentado. Isso porque, admitir que o segurado goze integralmente a aposentadoria enquanto continua a computar tempo de contribuição para o mesmo benefício significa conceder-lhe abono de permanência em serviço equivalente a 100% do valor da aposentadoria. Se a lei vedou o próprio abono, cujo valor era de 25% do valor dos proventos, estar-se-ia concedendo vantagem maior do que a prevista anteriormente na lei, em dispositivos que sequer possuem mais aplicação.
6. Desaposentação e aproveitamento do tempo de contribuição
A vontade de se desaposentar pode ser motivada por diversos elementos, tais como o arrependimento, a inadaptação à aposentadoria, o valor dos proventos ou o simples adiamento. Porém, a grande vantagem da desaposentação é o aproveitamento do tempo de contribuição utilizado na aquisição do direito à aposentadoria para a obtenção de outro benefício. Um segurado aposentado pelo regime geral de previdência social e, posteriormente, aprovado em um concurso público, por exemplo, pode ter interesse em se desaposentar para aproveitar o tempo de contribuição no regime próprio de previdência.
Questiona-se, todavia, se o tempo de contribuição pode ser utilizado para a obtenção de outro benefício no mesmo regime de previdência ou somente em um regime diferente20. Não há qualquer motivo para se limitar a autorização de utilização do tempo anterior a um regime diferente do qual foi concedida a aposentadoria. Se o segurado reconsidera a manifestação de vontade e renuncia aos proventos, deixando de exercer o direito à aposentadoria, inexiste um benefício sendo usufruído, seja no regime geral, seja em um regime próprio, razão pela qual não faz sentido restringir o aproveitamento do período em questão.
Outrossim, para aproveitar o tempo utilizado na aquisição do direito à aposentadoria que não se deseja mais usufruir, é desnecessário devolver os proventos já recebidos. A manifestação volitiva negativa, salvo expressa disposição em contrário, gera a renúncia dos proventos vincendos, não atingindo as parcelas já pagas pela autarquia.
Afinal, não se está diante de um benefício irregular, sujeito à anulação. A ausência ulterior do elemento vontade equivale a uma revogação promovida pelo segurado, que após analisar a conveniência e a oportunidade, de acordo com seus interesses, preferiu não mais exercer o direito à aposentadoria.
Assim como o ato administrativo produzido de forma regular, quando revogado, resguarda os efeitos produzidos até o momento da revogação21, a desaposentação mantém válidos os pagamentos dos proventos anteriores à cessação da aposentadoria, não se cogitando da devolução dos valores pagos devidamente22. Portanto, para aproveitamento do tempo anterior à concessão do benefício desconstituído, é incabível a exigência de devolução dos proventos pagos.
Todavia, quando o segurado, após a aposentadoria, exerceu atividade de filiação obrigatória e pretende utilizar esse tempo para a obtenção de outro benefício, aí sim deverá devolver os proventos percebidos no período que pretende utilizar. Isso porque, como adrede exposto, o § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 retira do segurado aposentado que continua exercendo atividade de filiação obrigatória o direito a qualquer benefício, exceto o salário-família24.
Se a regra é o tempo de trabalho ou contribuição posterior à aposentadoria não conferir direito a qualquer prestação, apenas as exceções expressamente previstas podem ser usufruídas. Por isso, o aproveitamento do tempo em que o segurado recebeu seus proventos não pode ser utilizado para a obtenção de outro benefício. Permitir a utilização do período posterior à aposentação, durante o qual foram recebidos proventos, para, somando-o ao tempo de contribuição anterior, possibilitar a obtenção de benefício mais vantajoso, significa onerar duplamente os cofres previdenciários, pois, além de pagar a renda da aposentadoria, deverá considerar esse período como tempo de serviço ou contribuição para outro benefício.
Em verdade, essa assertiva está amparada por um argumento de lógica. Permitir que o segurado aproveite o tempo trabalhado após a concessão da aposentadoria sem devolver os proventos significa atribuir efeitos distintos ao mesmo ato. Afinal, no que tange ao tempo de serviço ou contribuição, a desaposentação teria efeito ex tunc. Já para fins de renda, o efeito seria ex nunc. Essa diferença nos efeitos da desaposentação não pode ser admitida, pois prejudica o equilíbrio atuarial do regime de previdência e contraria o princípio da contributividade. Por conseguinte, em princípio, como a desaposentação é equiparada a uma revogação, seus efeitos, tanto remuneratórios, quanto os referentes à contagem de tempo, devem ter início apenas a partir de sua efetivação.
Há, porém, uma alternativa capaz de autorizar o segurado a aproveitar o tempo posterior à concessão da aposentadoria, bastando que o ato de desaposentação produza efeitos ex tunc, tanto em relação ao tempo de contribuição, quanto no que tange aos proventos. Caso o requerimento de desaposentação, expressamente, contenha a vontade do segurado de retroagir os efeitos do ato desconstitutivo até a data de concessão do benefício, todos os efeitos da desaposentação retroagirão à data de início da aposentadoria, significando que o beneficiário deverá recompor o status quo ante.
Logo, o tempo de serviço ou contribuição posterior à concessão da aposentadoria poderá ser aproveitado pelo segurado, já que, como os efeitos da desaposentação retroagirão até a data de início do benefício, cria-se a ficção de que jamais o beneficiário esteve aposentado.
Por outro lado, em razão dessa ficção, o segurado estará obrigado a restituir todas as verbas auferidas decorrentes da aposentadoria, com a devida correção monetária. Afinal, se foi considerado que a aposentadoria, para efeito de tempo de contribuição, jamais foi concedida, esse pensamento deve ser aplicado, também, em relação aos proventos. Se, para todos os fins, considera-se que a aposentadoria jamais foi concedida, os valores auferidos pelo segurado deixaram de ser devidos pela autarquia e devem ser devolvidos.
Em resumo, há duas alternativas para o segurado se desaposentar:
(a) como regra geral, a desconstituição do ato de concessão da aposentadoria, por ser equiparado a uma revogação, produzirá efeitos ex nunc, significando a desnecessidade de o segurado restituir os proventos recebidos e a impossibilidade de aproveitamento do tempo de serviço ou contribuição posterior à concessão da aposentadoria; ou
(b) com ressalva expressa no requerimento, a desaposentação produzirá efeitos ex tunc, obrigando o segurado a devolver todas as quantias recebidas em razão da aposentadoria e permitindo a contagem do tempo trabalhado após o início do benefício, sobre o qual deverá ser recolhida a contribuição previdenciária.
7. Conclusão
O direito à aposentadoria, como prestação da previdência social, objetiva tutelar o segurado contra os infortúnios. Trata-se de uma prestação estatal positiva com a finalidade de melhorar a qualidade de vida do beneficiário, seja fornecendo-lhe o mínimo necessário à subsistência, seja oferecendo-lhe a oportunidade de evoluir o padrão de vida.
Por sua natureza e seu objetivo, é inconcebível concordar com uma aposentadoria capaz de prejudicar o segurado. Assim, é fácil perceber que o ordenamento jurídico deveria conferir – e de fato confere – grande importância à manifestação de vontade para a fruição do direito à aposentação.
Como visto acima, esta vontade importa não apenas no momento da concessão, mas também para a manutenção do benefício. Se, por qualquer motivo, o segurado vislumbra na desconstituição do ato de concessão da aposentadoria uma melhor opção para sua vida, foge ao razoável obrigá-lo a permanecer aposentado, pois, nesse caso, o benefício previdenciário, ao invés de auxiliar, estaria prejudicando ou obstando o progresso de seu beneficiário.
Todavia, também esbarra no princípio da razoabilidade a simples renúncia ao direito à aposentadoria, com a perda de todo o período contributivo utilizado na obtenção do benefício. Em ambas as situações, faltaria, sem dúvida, a denominada razoabilidade externa, pois a norma previdenciária contrariaria os meios e os fins constitucionalmente eleitos para a manutenção da ordem social.
A desaposentação vem atender a essas hipóteses, em que a fruição do benefício não mais interessa ao segurado, mas o tempo de contribuição deve continuar inserido no seu patrimônio. Não é sem razão que a Lei 8.213/91 deixa de oferecer qualquer óbice ao referido instituto. Ao contrário, a sistemática nela presente autoriza vislumbrar uma autorização tácita para desconstituição do ato, na forma narrada nos itens anteriores.
A possibilidade de desaposentação, portanto, além de estar em harmonia com o regramento do regime geral de previdência social, representa, ainda, uma das formas de densificação da orientação constitucional de proteção social.
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